Lourdes
Sprenger*
Maio de 2015
Maio de 2015
Começa
a ser formado convicção a partir de decisões do Tribunal de Justiça do RGS de
que realmente cabe aos municípios o acolhimento e atendimento de animais
domésticos, principalmente, aqueles que estejam em situação de risco ou abandonados nas ruas.
As sentenças em 2º. grau referem-se a ações ingressadas pelo Ministério Público contra as prefeituras – em diferentes tempos – de São Sebastião do Caí (CNJ 0021791-10.2010.8.21.0068, com Execução de Obrigação a Fazer CNJ 0002799-25.2015.8.21.0068 em andamento), Cruz Alta (CNJ 0062939-26.2011.8.21.7000 e 1º. Grau Cruz Alta CNJ 0058681-56.2009.8.21.0011) e Porto Alegre (CNJ 0422861-96.2013.8.21.0001), nas quais existe a ratificação das sentenças proferidas pelos juizados em 1º. instância.
No
caso de São Sebastião do Caí, o MP/RS solicitou que a Prefeitura fosse
responsabilizada diante da omissão
do Município no trato dos animais domésticos (cães e gatos) e de tração
(cavalos), abandonados e em situação de risco existentes no Município.
A
Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade (CNJ
0054614-62.2011.8.21.7000), manteve a sentença para que o Município elaborasse:
“Programa que contemple medidas
imediatas de controle de reprodução de animais domésticos para a população de
baixa renda e apresentar projeto de criação de um CENTRO DE ACOLHIDA E
TRATAMENTO DE ANIMAIS DOMÉSTICOS em situação de risco, com a previsão do número
de cães a serem acolhidos, como os animais serão alimentados, tratados,
identificados e esterilizados, a fim de serem destinados à adoção”, e
“Projeto de criação de um CENTRO DE
ACOLHIDA E TRATAMENTO DE ANIMAIS DE TRAÇÃO.”
Há
de salientar dois trechos da sentença:
“Tais elementos probatórios comprovam a omissão do Município de São Sebastião do Caí, no
trato dos animais abandonados (cães, gatos e cavalos). E quando ao dever
específico de tutela dos animais abandonados por parte do Poder Público, não há
a menor dúvida de sua exigibilidade imediata.”
“Assim, à luz de todas as considerações acima, estou mantendo sentença no tocante às medidas
impostas em sentença ao Município de São Sebastião do Caí para sanar a omissão
do Poder Público no tocante ao dever constitucional de vedar a submissão dos
animais domésticos e de tração existentes em seu município à crueldade caracterizada
pelo abandono.”
Ainda
na sentença há as seguintes importantes referências que amparam a decisão:
“De plano, cumpre lembrar que o Brasil é signatário
da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em
sessão realizada em bruxelas, em 27 de janeiro de 1978, e que dispõe em seu
art. 6º, b, que “o abandono de um animal é um ato cruel e degradante”.
Muito embora trate-se de soft law, referido
tratado surtiu efeitos internos no ordenamento jurídico pátrio na medida em que
se reconheceu, a partir da Constituição Federal de 1988, o dever do Poder
Público de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou
submetam os animais a crueldade” (art. 225, §1º, VII, da CF/88).
E considerando que a norma jurídica
internacional da qual o Brasil é signatário (Declaração Universal dos Direitos
dos Animais), expressa perante a comunidade internacional valores que Estado
Democrático de Direito brasileiro se compromete a tutelar em prol da vida
animal, dentre os quais o reconhecimento de que o abandono é ato que submete os
animais à crueldade (tratamento vedado expressamente pelo texto
constitucional), tenho a omissão do Poder Público municipal não encontra
justificativa alguma.”
Em
recentes decisões em 2º. grau do TJ/RS referente ao resgate e acolhimento de
cães bravios pelo Estado do RGS e Município de Porto Alegre, a Vigésima Primeira Câmara Cível
definiu – diante de recurso do Estado (CNJ 0216726-70.2014.8.21.7000) e agravo da Prefeitura da capital (CNJ
0176281-10.2014.8.21.7000), que
o Estado através do Batalhão Ambiental da Brigada Militar é responsável pelo
resgate de cães bravios em vias públicas e que o acolhimento e atendimento dos
animais é de responsabilidade da Prefeitura de Porto Alegre pelo seu órgão
competente a SEDA.
Na
sentença ao recurso do Estado é de salientar-se das seguintes manifestações dos
desembargadores:
“É óbvio que o dever comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de proteger a fauna, insculpido
no art. 23 da Carta Política, não se aplica aos animais domésticos.
Aliás, conforme jurisprudência desta Corte,
é da competência dos Municípios a guarda de animais domésticos abandonados, por
se tratar de medida sanitária para a promoção da saúde pública (AC n.
70049896475, 22ª Câmara Cível, rel. Desa. Maria Isabel de Azevedo Souza,
julgado em 16.08.2.012). No mesmo sentido o AI n. 70055664874, 4ª Câmara Cível,
rel. Des. José Luiz Reis de Azambuja, julgado em 04.12.2.013.
Assim, dispõe o art. 13, I da Constituição
Estadual:
“É da competência do Município, além da
prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado: I. exercer o poder
de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como, proteção
à saúde, aí incluídas a vigilância e à fiscalização sanitárias, e proteção ao
meio-ambiente, ao sossego e à funcionalidade, bem como dispor sobre as
penalidades por infração às leis e regulamentos locais”.
Na
sentença ao agravo interposto pela Prefeitura de Porto Alegre, o TJ/RS amparou
sua decisão nas seguintes manifestações:
“Como se vê, o abrigamento de animais
domésticos, nos casos os cães bravios abandonados ou soltos na via pública, é
de competência dos Municípios, eis que se trata de medida necessária a
preservação da saúde pública e do meio-ambiente.
E foi justamente no exercício dessa
competência administrativa estabelecida nas Cartas Constitucionais Federal e
Estadual que o Município de Porto Alegre estabeleceu (nesta mesma gestão do
Prefeito Municipal em exercício), pela Lei Complementar Municipal nº 624/2012,
sua própria atribuição e poder de polícia para recolher e apreender animais de
modo sumário (art. 72, § único), em caso de iminente risco à segurança e à
saúde da população, o que se mostra inteiramente afinado com a decisão judicial
contra a qual investe neste recurso, contraditoriamente.”
Ainda,
salienta-se que diversas ações no sentido de que as prefeituras devem acolher e
atender animais domésticos estão sendo interpostas na justiça pelo Ministério
Público em diversas comarcas do Rio Grande do Sul.
Portanto,
resta aos municípios estabelecer projetos imediatos para buscarem soluções a
população de animais domésticos abandonados ou em situação de risco, inclusive
de maus-tratos e envenenamentos, principalmente através de ações voltadas para
a esterilização gratuita e universal, identificação por microchipagem em conjunto
à cadastro de animais domésticos, e da educação ambiental com foco na guarda
responsável e da adoção consciente.
* Vereadora de Porto Alegre/RS.
* Vereadora de Porto Alegre/RS.