Lourdes Sprenger*
Uma caça de cães autorizada pelo prefeito da pequena cidade de Santa Cruz do Arari, na região do Marajó, no Pará, causou comoção e revolta. Pelo relato dos moradores, a prefeitura pagou pela caça dos animais e o prefeito justificou que a medida tinha cunho sanitário, pois não teria outra forma de evitar a proliferação de doenças contagiosas causadas pelo aumento do número de cães de rua.
O triste episódio, que correu o mundo pelas redes sociais, revelam o dilema enfrentado por milhares de pequenas, médias e grandes cidades brasileiras, sem meios ou projetos para enfrentar a superpopulação de animais, especialmente cães e gatos. O problema só não atingiu o nível de calamidade na maior parte dos municípios graças a atuação do voluntariado, da ação das protetoras, das ONGs e das entidades, que lutam pela conscientização das comunidades em torno de questões urgentes como a guarda responsável, a identificação por chipagem e os programas de esterilização. Mas, com exceção de um grupo de cidades pioneiras e de capitais do Sul e do Sudeste, ainda é incipiente a participação do poder público como formulador e indutor de políticas públicas de defesa animal.
Nossa reflexão sobre questões graves como a de Santa Cruz do Arari nos obriga mencionar projeto de lei de Affonso Camargo, deputado federal e senador pelo Paraná, já falecido que, em 2002, determinava a realização de esterilização gratuita de animais domésticos para vigorar em todo o país. Foi uma frustração que dormiu nas gavetas do Congresso Nacional. E hoje, outra importante proposta tramita na Câmara, o Estatuto dos Animais, do deputado Eliseu Padilha (PMDB), que também institui programas de esterilização, um anseio dos grupos de protetores de todo o país.
Se tivéssemos experimentado o avanço resultante da aprovação destes projetos, certamente não teríamos hoje que enfrentar calamidades como a de Santa Cruz do Arari, mas que poderia ter acontecido em qualquer outros dos milhares de municípios brasileiros. A superpopulação animal é uma decorrência do abandono, dos maus-tratos, da ausência de planejamento público, mas, principalmente, da falta de conscientização e da carência de meios materiais e tecnológicos.
Além de nosso intenso trabalho no sentido de conscientizar as comunidades, principalmente aquelas que convivem com os animais de periferia, precisamos contar com programas eficientes e de qualidade por parte do poder público para fazer frente à superpopulação. Com isso vamos em busca da meta de 70% de cobertura da população animal, conforme a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta é a política preventiva ideal e adequada para se evitar doenças, contaminações, caça e extermínio como ocorrido no triste exemplo de Santa Cruz do Arari.
* Protetora, vereadora do PMDB de Porto Alegre