Decisão é do Tribunal Regional
Federal - MS
Prática é considerada característica de Idade Média, segundo
relator.
O sacrifício de cães com leshimaniose, feito por órgãos públicos
como forma de controlar a doença, está proibido em Campo Grande, por
determinação judicial. A decisão da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região (TRF3) é do dia 28 de maio e foi divulgada na quarta-feira (3).
A determinação deu provimento a agravo de instrumento interposto
pela ONG Abrigo dos Bichos, que atua na capital de Mato Grosso do Sul. Segundo
divulgação do TRF, o acórdão é baseado em jurisprudência do próprio TRF3 e
também de outros tribunais superiores.
A prefeitura informou ao G1 que
vai se reunir com o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) na segunda-feira (8)
para definir quais medidas serão tomadas diante da decisão. O objetivo é se
adequar à nova regra.
Antes dessa decisão, o sacrifício de cães com a doença era prática
comum do CCZ. Segundo a secretaria municipal de saúde, o CCZ segue
recomendações do Ministério da Saúde.
Em 2013, a ONG Abrigo dos Bichos consegui uma liminar que obrigava
o CCZ a devolver o cão Scooby, que tinha sido recolhido pelo CCZ e seria
sacrificado porque tinha leishimaniose.
Scooby ficou conhecido depois de ter sido amarrado em uma moto e
arrastado pelo dono até o CCZ, onde um exame atestou que ele tinha
leishmaniose. Na época chegou a ser cogitada a eutanásia do animal, conforme
estabelecem as normas do Ministério da Saúde, mas internautas fizeram campanha
contra o sacrifício.
O mascote foi levado a uma clínica veterinária no dia 30 de julho
de 2012, com autorização da prefeitura de Campo Grande, para que recebesse
tratamento contra a doença.
Na portaria 1426/2008, o órgão proíbe o tratamento de cães e
recomenda a eutanásia. A medida é para evitar a contaminação de pessoas e outros
animais.
Para o desembargador federal Johonsom di Salvo, relator do
processo no TRF3, a prática adotada pela prefeitura de Campo Grande para
controlar a doença ofende o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da
Constituição Federal.
"Não tem o menor sentido humanitário a má conduta do
município em submeter a holocausto os cães acometidos de leishmaniose visceral
(deonça infecciosa não contagiosa), sem qualquer preocupação com a tentativa de
tratar dos animais doentes e menos preocupação ainda com os laços afetivos que
existem entre humanos e cães, pretendendo violar o domicílio dos cidadãos sem
ordem judicial para, despoticamente, apreender os animais para matá-los",
ressaltou.
O magistrado acredita que o poder público deveria deixar de usar o
sacrifício de cães e adotar medidas para erradicar os focos do vetor, o
mosquito-palha (Lutzomyalongipalpis), que transmite o protozoário que infecta
humanos e animais.
Di Salto recomenda ainda que o poder público permita o tratamento
da leishmaniose canina sob supervisão e responsabilidade de médico veterinário.
"Convém aduzir que os órgãos públicos não podem proibir -
especialmente através de atos normativos interiores à lei em sentido formal -
que os donos dos animais e os médicos veterinários procurem tratar os animais
doentes, antes de optarem pela irreversibilidade do sacrifício do animal",
afirmou.
O magistrado entende que o poder público deveria promover pesquisas
com medicamento já usado em outros países para curar as vítimas da doença.
"Infelizmente, dos 88 países do mundo onde a doença é
endêmica, o Brasil é o único que utiliza a morte dos cães como instrumento de
saúde pública; ou seja, o Brasil ainda viceja numa espécie de "Idade
Média", retardatária, onde a preocupação é elimar ou afastar a vítima e
não o causador da doença ("mosquito-palha", nome científico
Lutzomyialongipalpis) que espalha o protozoárioLeishmania chagasi", salientou
di Salvo.
Na Justiça
A ação civil pública foi ajuizada pela ONG Abrigo dos Bichos em
2008, com o objetivo de impedir que a prefeitura de Campo Grande usasse a
eutanásia canina como forma de controle da leishmaniose visceral.
A liminar foi concedida para impedir o poder público de sacrificar
animais à força, mas, depois, o juiz da 1ª Vara Federal de Campo Grande
reconsiderou a decisão para revogá-la em parte.
Depois disso, o recurso chegou ao TRF3, que manteve a suspensão da
eutanásia, "evitando-se a tomada de drásticas e irreverssíveis medidas de
controle, sem a possibilidade de reparação para os cidadãos".
No relatório, o magistrado questiona a
eficácia do sacrifício de animais como forma de combater a doença, prática
adotada pela Saúde Pública desde 1953. Apesar da eutanásia de animais desde
essa época, as estatísticas de contaminação da doença continuam aumentando,
segundo o TRF.
Fonte: Globo G1